segunda-feira, 1 de abril de 2013

Isto não é científico!

Lauro Brito de Almeida, Dr. EAC|FEA|USP(1)
Isto não é científico! Após a apresentação do mestrando e agradecimentos de praxe pelo membro da banca, confesso que a frase, vociferada com ênfase, além do visível prazer e carregada de um misto de arrogância e sabedoria suprema, me tirou o chão.
Ouvir tal frase, seja como plateia ou membro de uma banca – no caso, dissertação de mestrado -, no mínimo, incomoda.O silêncio que se fez, muito pequeno intervalo de tempo, foi, antes que os comentários do membro da banca tivessem continuidade, como na música do Paulinho da Viola, “foi tumular” e pareceu infinito.
Imaginem, então, quando dito sobre o trabalho de um orientando seu. Todo orientador, é um pai coruja [ainda que não queira parecer como tal], ainda mais, como no caso ocorrido, um orientando fora da curva, acima da média. Só que o autor de tal sapiência, na sua intervenção, nos fez sofrer com uma análise fragmentada, desconjuntada, em vez de olhar e dar contribuição que tornasse o todo melhor. O que o "colega" fez foi “fisgar” uma frase, em uma passagem para decretar: “Isto não é científico!”.
Pois é, por ironia, em 09/02/2011, nas minhas idas para São Paulo, me encantei com um texto do Rubem Alves. O sugestivo título, logo chamou minha atenção: “O que é científico”. Por esses acasos de nossa vida, cerca de 10 meses depois, o tema do livro, nunca me foi tão presente.
Assim como no livro, o mote deste post é lembrar os cuidados que devemos ter, com base em minha percepção, ao analisar qualquer obra e evitarmos decretar, que “isto não é científico”. Sei que vocês irão ler o livro e entenderão que eu me senti tal qual o amigo do Rubem Alves, cuja história foi a inspiração para o texto.
Participar de bancas de qualificação e defesa final de mestrado e doutorado, quer de meus orientandos ou como membro de outros, ao menos para mim, é sempre antecedido de expectativas e temores. Porém, é uma atividade que me faz feliz, me ajuda a crescer e aprendo muito, quer com os alunos, quer com os colegas. 
Em geral, infelizmente, observo que os membros da banca deixam de observar/analisar e discutir o tema, pertinência e robustez da situação problema [ou contexto, ou antecedentes], a questão de pesquisa, se é pertinente a formulação de hipóteses, o marco teórico, o rigor metodológico quanto população, amostra, coleta dos dados e – principalmente – a adequação do tratamento dos dados. Também, sinto falta de discussões sobre a estruturação do capítulo principal [Resultados ...], se comunica de maneira clara ao leitor a resposta a questão de pesquisa, entre outros pontos relevantes. Por fim, outro ponto negligenciado é a Conclusão, que na maioria das vezes é um resumo dos capítulos anteriores.
A falta de uma visão sistêmica, por parte dos envolvidos no debate, na análise e discussão de uma dissertação ou tese – seja na qualificação ou defesa final – conduz, em geral, a em especial nos trabalhos nos quais há abordagem quantitativa, longas e enfadonhas discussões técnicas sobre aspectos dos modelos quantitativos utilizados.
Porque são discussões enfadonhas? Muito simples. Entendo que essas discussões, muitas vezes monólogos que mostram o conhecimento do interveniente, raramente, muito raramente são relacionadas com os achados da pesquisa e, principalmente, sua adequação para responder a questão de pesquisa. Infelizmente não se prestam a melhorar a análise e discussão dos achados. É algo que ainda estamos aprendendo a fazer: contribuir!
Também, há situações constrangedoras quando os membros da banca não mantém o foco da análise e seus comentários são – ainda que oportunos – como explorar os dados, no entanto sem qualquer ligação com o tema e respectiva questão de pesquisa.

Creio, que se consultarmos nossos colegas, todos terão passados por situações parecidas como a que aconteceu comigo. Apesar de desagradável, pela arrogância do "colega" e mais, por ser totalmente irrelevante a sua fala - "isto não é científico" -, a mim, pelo menos, é uma oportunidade para uma reflexão sobre quanto estamos ou não capacitados para analisar um texto e tecer comentários que efetivamente contribuam para a sua melhoria.

Não gostamos de críticas por que associamos esse termo como algo negativo. As críticas, penso, tem que expressar uma posição com base em fundamentos - principalmente na academia - e não pode ser com base em "achismos".

Portanto, fica aqui o convite para reflexão e discussão, quer formal ou informal. Sei que se for proposto tratar esse tema em congressos, encontros etc, muitos dirão: "mas, você tem dúvidas sobre isso". 

Eu, se questionado respondo: "tenho e muitas".

(1)  Lauro Brito de Almeida, Doutor em Controladoria e Contabilidade pela FEA/USP, Pós-Doutorando em Administração pelo PPAD PUC PR e Professor do PPG Mestrado em Contabilidade da UFPR. Interesses de pesquisas em Análise Gerencial de Custos, Economia de Empresas e Educação, Ensino e Pesquisa. Experiência e atuação profissional em Análise Gerencial de Custos, Orçamento Empresarial, Elaboração de Plano de Negócios para Pequenas e Médias Empresas, Analise Econômica e Financeira e Elaboração de Estudos e Pareceres. Contato: gbrito@uol.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário