Lauro Brito de Almeida, Dr. EAC|FEA|USP(1)
É usual, inclusive entre os contadores, o uso do termo “baixa
contábil”. Os analistas de mercado são mais debochados e recentemente cunharam
o termo “limpeza contábil”, neste caso abrangendo, também, os eventos
relacionados ao reconhecimento de futuras perdas, quer por ações fiscais ou não.
O mote para esta digressão é o texto publicado na edição do
jornal Valor Econômico de 21/12/2012, com o
título: “Vale pode fechar trimestre com prejuízo” ilustra bem essa situação. O
texto trata do reconhecimento de perda com investimentos feitos em um projeto
de níquel em Onça Puma no Pará.
É preocupante como somos hábeis na arte de banalizar situações,
quer como um processo de desacreditar alguém, uma ideia ou simplesmente se
esquivar de algo. Noto com muita frequência na imprensa, o uso incorreto de
"baixa contábil", "limpeza contábil", como se fosse algo,
do tipo, "doe ou jogue fora o que você não usa".
O texto é enfático ao abordar a "baixa contábil":
A Vale anunciou ontem uma baixa contábil de US$ 4,2 bilhões nos seus ativos de níquel e alumínio, valor que vai impactar o resultado financeiro da empresa no trimestre.
Além da inadequação do
termo “resultado financeiro”, na esteira da notícia, não faltam opiniões de
anônimos:
Analistas
ouvidos pelo Valor preveem que por conta desta "limpeza
contábil", incluindo provisões para pagamento de pendências tributárias, a
companhia poderá fechar o quarto trimestre do ano com prejuízo. Isso porque a
baixa contábil dos ativos não influi no valor de caixa da empresa, mas tem
impacto sobre o lucro.
A pérola colhida junto aos analistas – “Isso porque a baixa
contábil não influi no valor de caixa da empresa, mas tem impacto sobre o
lucro” – é digno do troféu abobrinha.
Nesse processo de banalização é esquecido pelo analista que
recursos bilionários foram gastos e consequentemente representam perdas [reais]
para os acionistas – tanto para aqueles cujos dividendos percebidos serão reduzidos, como
para os que esperavam a valorização das ações.
Mas não precisamos de exemplos de investimento bilionários. A
foto que ilustra este post serve aos nossos propósitos.
Imagine-se na seguinte situação:
Pego de surpresa em meio a uma chuva de verão, paralisado, impotente, incrédulo, você vê o seu carro sendo tragado pela enorme cratera que se abriu. Agradece a todos os deuses por ter conseguido sair do carro antes que o pior lhe acontecesse. Nestas situações, não sei de onde, surgem multidões para observar. Parece haver um certo prazer sádico em observar desgraças. No momento que você - impotente e incrédulo - observa seu ativo ser engolido pela inominável cratera, aproxima-se um observador e tal qual um “analista”, diz: “Não se preocupe, é só dar “baixa contábil” do carro em sua contabilidade, pois não irá afetar a sua posição de caixa”.
Bem, com certeza o que você diria ao infeliz palpiteiro é impublicável. A posição
atual do seu caixa naquele momento não será afetada pelo ocorrido. No entanto, a reposição do ativo [não há apólice de seguro para esse tipo de
perda] e a possível redução de fluxo de benefício futuro impactará a sua
saúde financeira.
Por isso, não custa dar um aviso aos navegantes: não existe
"baixa contábil" - como nominado do texto - apesar do uso corriqueiro - e tampouco "limpeza
contábil" como quer fazer crer o ilustre grupo de analistas anônimos, sempre
consultados.
No caso da Vale, conforme o jornal Valor Econômico, as perdas
– ora assumidas – decorrem investimentos cujas decisões foram tomadas em
gestões anteriores e não renderam os frutos esperados. É o risco do negócio. No
entanto, esperamos que uma gestão diligente avalie com regularidade seus
negócios e, em nome da transparência, governança etc, identifique, reconheça e prontamente contabilize os lucros ou
prejuízos decorrentes.
Ao que parece, no caso da empresa citada no texto do Valor, ao longo de todos esses anos, por decisão dos
gestores os prejuízos não foram formalmente reconhecidos, isto é, contabilizados. Diriam alguns: sinais de
gerenciamento de resultado [Vale tem ações na bolsa, precisa agradar o
"mercado" e mais, qual gestor quer assumir que errou!].
A notícia do
reconhecimento de um prejuízo de tal magnitude, que pode impactar negativamente
o resultado do trimestre jamais deveria ser banalizada como "baixa
contábil" e/ou "limpeza contábil".
Em situações como essa, tanto
os jornalistas como os "analistas" devem refletir que houve um
investimento bilionário - dinheiro dos acionistas, contribuintes etc – que
resultou em prejuízo e somente agora estão reconhecendo o prejuízo. Igualmente
é importante e oportuno, com relação a esses eventos, resgatar em qual gestão,
a situação etc que ocorreu a decisão sobre o investimento e como foi
financiado.
O ocorrido ilustra, mais uma vez, um caso de assimetria de informação, na qual o agente [gestores] sabem mais que o principal [acionistas], e de acordo com seus interesses, divulgam somente o que lhes interessam. Cabe a pergunta: agiram alinhados aos interesses dos acionistas?
Nesse ponto quero retomar a pérola do grupo de analistas
anônimos [como é fácil emitir opiniões no anonimato], quando banaliza a
“limpeza contábil”, e afirma que “[...] não influi no valor de caixa da
empresa”.
O apressado e incauto grupo de “analistas anônimos” esquece
que o caixa atual reflete o impacto da decisão e ainda poderá ser impactado por
eventos subsequentes decorrentes do encerramento da atividade, se for o caso.
Pode ter ocorrido, um fluxo de valores gastos diretamente ao
longo de um período financiado com capital próprio. Também, parte do
investimento pode ter sido com capital de terceiros e neste caso, além da
amortização do principal, juros foram pagos.
Textos, como o publicado no Valor, são oportunidades para
refletir sobre o perigo da banalização no reporte e análise dos resultados de
determinadas transações.
Fica, então, feito o
convite para todos refletirem sobre o assunto e sermos mais críticos.
Infelizmente - em todos os campos - assuntos sérios são tratados a
margem, perigosamente banalizados e as vezes com pitadas de deboche [“limpeza contábil”,
por exemplo].
A notícia é importante, mas, meramente descritiva, acrítica,
perde o sentido.
(1) Lauro Brito de
Almeida, Doutor em Controladoria e Contabilidade pela FEA/USP,
Pós-Doutorando em Administração pelo PPAD PUC PR e Professor do PPG Mestrado em
Contabilidade da UFPR. Interesses de pesquisas em Análise Gerencial de Custos,
Economia de Empresas e Educação, Ensino e Pesquisa. Experiência e atuação
profissional em Análise Gerencial de Custos, Orçamento Empresarial, Elaboração
de Plano de Negócios para Pequenas e Médias Empresas, Analise Econômica e
Financeira e Elaboração de Estudos e Pareceres. Contato: gbrito@uol.com.br
Sensacional! Com a recente história da Petrobras, esse post é mais que oportuno. Como jornalista, lamento que alguns colegas não tenham consciência da sua responsabilidade.
ResponderExcluirSensacional! Com a recente história da Petrobras, esse post é mais que oportuno. Como jornalista, lamento que alguns colegas não tenham consciência da sua responsabilidade.
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