Lauro Brito de Almeida, Dr. EAC|FEA|USP(1)
Caro
leitor, como eu, você também notou que a edição da MP 579/2012 tem provocado lances dignos dos bons
filmes de suspense que retratam a época da guerra fria. Os interesses permeiam e orientam as informações divulgadas e amplificadas nas mídias. É interessante como cada um busca
defender o seu quinhão, aparentemente, sem maiores preocupações com o país, sociedade etc [como sou utópico!].
Nessa balbúrdia, sinto falta de textos com análises isentas, sem viés. De um lado, os "analistas de mercado" [ou
serão, vendedores, corretores de ações?!]. De outro, empresas de consultorias, auditores e grandes bancas de advocacia especializada no assunto. Cada um dos interessados, de olho no gordo filão de assessoria, utiliza o privilegiado espaço na mídia [inacessível para os mortais comum, como este escriba], e nas suas posições um mensagem subliminar de venda: "Eu sou o mais competente para defender seus interesses". É só uma constatação.
Os investidores, especialmente aqueles que buscam dividendos, são os que mais reclamam. A reação de um fundo norueguês foi virulenta. Compreensível, pois em que lugar do mundo há retornos tão polpudos como no nosso?
Os investidores, especialmente aqueles que buscam dividendos, são os que mais reclamam. A reação de um fundo norueguês foi virulenta. Compreensível, pois em que lugar do mundo há retornos tão polpudos como no nosso?
Tem aqueles que, por pouco não veem
golpe de estado, mas, firmemente batem na tecla de quebra
de contratos etc. Penso que cada vez mais devemos entender de estratégias
militares do que de negócios.
Nesse debate todo,
com base nas minhas leituras diárias, alguns pontos tem chamado a
atenção:
1.
Uso inadequado do conceito de amortização de investimentos. Basta
consultar qualquer texto de análise de investimentos
para ver o erro grosseiro cometido. Os ativos são depreciados. Tecnicamente,
depreciação significa perda de benefícios futuros, quer pelo uso ou
obsolescência.
2.
As depreciações, mesmo com novas práticas
contábeis orientadas pelos CPC´s, uma rápida vista d´olhos nos balanços
publicados, basta para confirmar que são vinculadas as regras da receita
federal para fins de cálculo de imposto de renda e não por critério técnico.
3.
Será que as empresas fizeram impairment, ou
seja, adequaram os valores de seus ativos ao mercado de acordo com regra
específica? E os auditores? Estão se fazendo de "surdos e mudos".
4.
Há uma assimetria de informações muito grande
em todo esse processo. Talvez tenha havido um "gerenciamento" por
parte das empresas que ignoraram algumas regras básicas e apostaram no valor
histórico contabilizado considerando a proximidade do fim das concessões.
Noto que, frequentemente,
representantes de orgãos influentes, empresários etc, emitem opiniões,
argumentam e cometem erros grosseiros conceituais em suas falas. A argumentação do representante da FIESP de que "Parcelas da receita das empresas que poderiam ter sido
usadas para amortizar investimento foram destinadas a pagar dividendos aos
governos estaduais [...]" não tem sentido algum.
Fora esses erros conceituais, que certamente conduzem a análises e
conclusões com viés, não se pode esquecer que em qualquer atividade que exija
bens de capital, há sempre necessidade de novos investimentos e gastos com
manutenção para manter o parque gerador etc em atividade com níveis mínimos de
eficiência e eficácia. Então, não é tão simples como pensam todos os
envolvidos. É básico que o preço de venda, dado uma escala de operação, entre
outras variáveis, considere a necessidade de manutenção e reinvestimento. Há
diferenças entre manutenção e reinvestimento. Portanto, não é tão simples como
diz um porta voz da indústria "[..] os investimentos já foram amortizados
há anos e as tarifas não foram reduzidas."
E mais, não há transparência no debate, quer por parte do governo, como
dos interlocutores com interesses, como das empresas. Por que eu [você e
outros] devo [emos] acreditar nos números divulgados pela FIESP, FIRJAN,
empresas, governo etc? Se houvesse transparência, os critérios de cálculos
estariam todos disponíveis. É nesse ponto uma análise independe faz falta
[onde estão os institutos de pesquisas das universidades públicas?].
A imprensa – quer de negócios ou não – poderia contribuir em muito para
a transparência. Em vez do “acesso exclusivo” etc, poderia disponibilizar os
estudos etc consultados para os leitores.
Ainda teremos
muitos lances, emocionantes, nessa "guerra fria". Para apimentar ainda
mais, a Endesa [empresa espanhola] manifestou interesse em participar das
próximas licitações no setor elétrico. Que leitura fazer disso? Não há opções
melhores ou o patamar de retorno de investimentos desse tipo mundo afora é em
torno do proposto pelo governo?
Para finalizar,
alguns textos lidos ficam em nossa memória mais tempo. Em um texto publicado no
jornal Folha de São Paulo, o jornalista disse que o governo "[...] rasgou
o manual de contabilidade", certamente um exagero, pois implicitamente advoga o mundo como imutável. No jornal Valor Econômico, um colunista para
ilustrar seu ponto de vista, de como os reflexos mais essa "mão visível
do governo" é danoso ao "espírito animal dos empresários" fez uma analogia dos animais
em cativeiro nos circos. O espirituoso articulista finaliza dizendo que os animais em
cativeiro perdem seu instinto, sugerindo que as intervenções governamentais
podem provocar o mesmo efeito no empresariado.
Sugiro ao
jornalista, entrar na jaula de um animal em cativeiro para testar sua hipótese.
(1) Lauro Brito de
Almeida, Doutor em Controladoria e Contabilidade pela FEA/USP,
Pós-Doutorando em Administração pelo PPAD PUC PR e Professor do PPG Mestrado em
Contabilidade da UFPR. Interesses de pesquisas em Análise Gerencial de Custos,
Economia de Empresas e Educação, Ensino e Pesquisa. Experiência e atuação
profissional em Análise Gerencial de Custos, Orçamento Empresarial, Elaboração
de Plano de Negócios para Pequenas e Médias Empresas, Analise Econômica e
Financeira e Elaboração de Estudos e Pareceres. Contato: gbrito@uol.com.br
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