segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

MP 579/2012... um festival de assimetria de informação

Lauro Brito de Almeida, Dr. EAC|FEA|USP(1)
Caro leitor, como eu, você também notou que a edição da MP 579/2012 tem provocado lances dignos dos bons filmes de suspense que retratam a época da guerra fria. Os interesses permeiam e orientam as informações divulgadas e amplificadas nas mídias. É interessante como cada um busca defender o seu quinhão, aparentemente, sem maiores preocupações com o país, sociedade etc [como sou utópico!].
Nessa balbúrdia, sinto falta de textos com análises isentas, sem viés. De um lado, os "analistas de mercado" [ou serão, vendedores, corretores de ações?!]. De outro, empresas de consultorias, auditores e grandes bancas de advocacia especializada no assunto. Cada um dos interessados, de olho no gordo filão de assessoria, utiliza o privilegiado espaço na mídia [inacessível para os mortais comum, como este escriba], e nas suas posições um mensagem subliminar de venda: "Eu sou o mais competente para defender seus interesses". É só uma constatação.
Os investidores, especialmente aqueles que buscam dividendos, são os que mais reclamam. A reação de um fundo norueguês foi virulenta. Compreensível, pois em que lugar do mundo há retornos tão polpudos como no nosso?
Tem aqueles que, por pouco não veem golpe de estado, mas, firmemente batem na tecla de quebra de contratos etc. Penso que cada vez mais devemos entender de estratégias militares do que de negócios.
Nesse debate todo, com base nas minhas leituras diárias, alguns pontos tem chamado a atenção:
1.        Uso inadequado do conceito de amortização de investimentos. Basta consultar qualquer texto de análise de investimentos para ver o erro grosseiro cometido. Os ativos são depreciados. Tecnicamente, depreciação significa perda de benefícios futuros, quer pelo uso ou obsolescência.
2.        As depreciações, mesmo com novas práticas contábeis orientadas pelos CPC´s, uma rápida vista d´olhos nos balanços publicados, basta para confirmar que são vinculadas as regras da receita federal para fins de cálculo de imposto de renda e não por critério técnico.
3.        Será que as empresas fizeram impairment, ou seja, adequaram os valores de seus ativos ao mercado de acordo com regra específica? E os auditores? Estão se fazendo de "surdos e mudos".
4.        Há uma assimetria de informações muito grande em todo esse processo. Talvez tenha havido um "gerenciamento" por parte das empresas que ignoraram algumas regras básicas e apostaram no valor histórico contabilizado considerando a proximidade do fim das concessões.
Noto que, frequentemente, representantes de orgãos influentes, empresários etc, emitem opiniões, argumentam e cometem erros grosseiros conceituais em suas falas. A argumentação do representante da FIESP de que "Parcelas da receita das empresas que poderiam ter sido usadas para amortizar investimento foram destinadas a pagar dividendos aos governos estaduais [...]" não tem sentido algum. 
Fora esses erros conceituais, que certamente conduzem a análises e conclusões com viés, não se pode esquecer que em qualquer atividade que exija bens de capital, há sempre necessidade de novos investimentos e gastos com manutenção para manter o parque gerador etc em atividade com níveis mínimos de eficiência e eficácia. Então, não é tão simples como pensam todos os envolvidos. É básico que o preço de venda, dado uma escala de operação, entre outras variáveis, considere a necessidade de manutenção e reinvestimento. Há diferenças entre manutenção e reinvestimento. Portanto, não é tão simples como diz um porta voz da indústria "[..] os investimentos já foram amortizados há anos e as tarifas não foram reduzidas."
E mais, não há transparência no debate, quer por parte do governo, como dos interlocutores com interesses, como das empresas. Por que eu [você e outros] devo [emos] acreditar nos números divulgados pela FIESP, FIRJAN, empresas, governo etc? Se houvesse transparência, os critérios de cálculos estariam todos disponíveis.  É nesse ponto uma análise independe faz falta [onde estão os institutos de pesquisas das universidades públicas?].
A imprensa – quer de negócios ou não – poderia contribuir em muito para a transparência. Em vez do “acesso exclusivo” etc, poderia disponibilizar os estudos etc consultados para os leitores.
Ainda teremos muitos lances, emocionantes, nessa "guerra fria". Para apimentar ainda mais, a Endesa [empresa espanhola] manifestou interesse em participar das próximas licitações no setor elétrico. Que leitura fazer disso? Não há opções melhores ou o patamar de retorno de investimentos desse tipo mundo afora é em torno do proposto pelo governo?
Para finalizar, alguns textos lidos ficam em nossa memória mais tempo. Em um texto publicado no jornal Folha de São Paulo, o jornalista disse que o governo "[...] rasgou o manual de contabilidade", certamente um exagero, pois implicitamente advoga o mundo como imutável. No jornal Valor Econômico, um colunista para ilustrar seu ponto de vista, de como os reflexos mais essa "mão visível do governo" é danoso ao "espírito animal dos empresários" fez uma analogia dos animais em cativeiro nos circos. O espirituoso articulista finaliza dizendo que os animais em cativeiro perdem seu instinto, sugerindo que as intervenções governamentais podem provocar o mesmo efeito no empresariado.
Sugiro ao jornalista, entrar na jaula de um animal em cativeiro para testar sua hipótese. 
(1)  Lauro Brito de Almeida, Doutor em Controladoria e Contabilidade pela FEA/USP, Pós-Doutorando em Administração pelo PPAD PUC PR e Professor do PPG Mestrado em Contabilidade da UFPR. Interesses de pesquisas em Análise Gerencial de Custos, Economia de Empresas e Educação, Ensino e Pesquisa. Experiência e atuação profissional em Análise Gerencial de Custos, Orçamento Empresarial, Elaboração de Plano de Negócios para Pequenas e Médias Empresas, Analise Econômica e Financeira e Elaboração de Estudos e Pareceres. Contato: gbrito@uol.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário