sábado, 29 de setembro de 2012

Mão-de-obra, encargos sociais, competitividade e riscos operacionais

Lauro Brito de Almeida, Dr. EAC/FEA/USP(1)
[Introdução] O debate recente em torno das preocupações com a mão-de-obra e competitividade da indústria manufatureira tem ocupado espaço na mídia especializada ou não em negócios e economia. Também, tem sido o mote para análises, estudos, objeto de incentivos governamentais e porque não, recorrentemente de variadas reclamações. Líderes empresariais de diversos segmentos econômicos, recentemente manifestaram suas preocupações sobre os impactos e desdobramentos dos custos e encargos sociais, qualificação e disponibilidade da mão-de-obra em nosso país [Valor Econômico, 08/05/2012: A1, A16].
O Brasil passa por uma transformação no setor produtivo. O aumento da participação do setor de serviços na economia tem ocorrido as expensas do setor manufatureiro. Há reclamos e análises [e também muitos palpites] que apontam para um processo de desindustrialização e perda de competitividade da indústria manufatureira. A mão-de-obra é recorrentemente apontada como responsável por onerar os custos de produção, das estruturas organizacionais, além de variável indutora da perda de competitividade no mercado internacional [exportação] como no mercado interno ante os produtos similares importados. Diante desse quadro, o objetivo é refletir sobre aspectos do impacto da mão-de-obra, em especial, quanto aos encargos sociais, competitividade e riscos operacionais.
[Desoneração da folha de pagamento e competitividade] Preocupado com o fraco desempenho da economia, recentemente o governo federal consolidou um conjunto de medidas de incentivos contemplando vários setores econômicos: Programa Brasil Maior. Entre as medidas, tem merecido maior destaque, ainda que temporária a desoneração da folha de pagamento pela redução do INSS devido pelo empregador e mudança na base de cálculo.  O propósito dessa medida é, pela redução do custo dos encargos sociais sobre a mão-de-obra, contribuir para a redução do custo de produção dos bens e serviços e das estruturas das organizações. Ao todo 15 setores foram beneficiados com a redução da parcela patronal de INSS incidente sobre a folha de pagamento. Para tanto, o governo federal substituiu – ainda que temporariamente - a tradicional contribuição sobre a folha de pagamento calculada a alíquota de 20%, por alíquotas de 1,0%, 1,5% e 2,0%, desta feita a base de cálculo é o faturamento. Com essa medida, temporariamente, as empresas pertencentes aos setores beneficiados estarão trocando despesas e/ou custos fixos por despesas variáveis. Assim, os gestores, face à estrutura de despesas e/ou custos anterior, estarão no período de vigência do incentivo governamental contando com uma faixa de manobra para aumentar suas margens de lucro e/ou definir estratégias competitivas de políticas de preços ante os concorrentes. No entanto, no âmbito do incentivo concedido, para cada empresa integrante do setor econômico beneficiado há um ponto de indiferença. No ponto de indiferença, a contribuição devida pelo empregador ao INSS é a mesma independente se calculada sobre a folha de pagamento a alíquota de 20% ou se sobre o faturamento pelas alíquotas definidas para o setor. O ponto de indiferença ocorre quando o Faturamento for igual kFolha de pagamento, sendo k um multiplicador resultante da divisão da "alíquota INSS" pela "alíquota sobre faturamento". Neste cenário, estando a empresa abaixo do ponto de indiferença há margem de manobra. Por outro lado, se acima – além da perda de eficácia da medida governamental ante o objetivo de reduzir custos/despesas – é certo que as empresas prontamente repassarão o custo e/ou despesa de INSS da nova modalidade aos preços e assim, assegurar a manutenção de suas margens.
[Riscos operacionais] Ao longo dos últimos anos as empresas de manufatura ou mesmo aquelas nas quais a mão-de-obra é intensiva, seja em função da natureza do produto e/ou processo, estão continuamente reduzindo o efetivo empregado. Os avanços tecnológicos e/ou inovações nos equipamentos e processos produtivos, conjugados ou não com melhorias e/ou inovações nas demais atividades nas organizações tem viabilizado a redução do efetivo. Mesmo assim, o aumento nos salários, ao que parece induzido pela inelasticidade de sua oferta, preocupa os empresários e analistas econômicos. A mão-de-obra utilizada pelas empresas nas atividades de manutenção da estrutura organizacional [administração, vendas etc] como aquela diretamente vinculada ao processo produtivo é uma despesa e/ou custo fixo. Recorrentemente há uma confusão entre quantidade de mão-de-obra [expressa em horas homens] efetivamente utilizada e não utilizada, como se isso a caracterizasse como variável. As horas de mão-de-obra não utilizadas são os custos da ociosidade, não evidenciadas nos demonstrativos contábeis publicados. Por questões de marco legal, no Brasil o custo e/ou despesa com a mão-de-obra é sempre fixa, não sendo a sua remuneração vinculada a quantidades produzidas e/ou vendidas. Nos casos em que há um componente variável, a legislação assegura sempre um valor mínimo, que é a parte fixa da remuneração. Assumindo a premissa de que os custos /ou despesas com mão-de-obra, decorrente dos aumentos salariais excedam os ganhos de produtividade e/ou o aumento das vendas, certamente estarão corroendo as margens de lucros. Dada à natureza de custos e/ou despesas fixos o aumento nos salários provoca um aumento no custo total. Caso não sejam tomadas quaisquer outras medidas, a participação dos custos variáveis no custo total será reduzida. A estrutura de custos expõe a empresa a variados graus de risco operacional.  Nas empresas cuja estrutura de custos, a participação dos custos fixos nos custos totais é alta, é igualmente alto o grau de alavancagem operacional. Neste caso, aumentos nas receitas resultam em grandes aumentos nas margens de lucros. Por outro lado, reduções nas receitas, implicam em grandes reduções nas margens de lucros. Empresas com essas características na estrutura de custos operam com um alto grau de risco ante as turbulências na economia. O risco operacional nas empresas com alta participação dos custos variáveis nos custos totais, são caracterizadas por um baixo grau de alavancagem operacional. Neste caso as variações nas receitas provocam impactos moderados nas margens de lucros. O risco para empresas com essas estruturas de custo é baixo e, portanto, não são tão vulneráveis em períodos de oscilações no ritmo da economia. Dado este quadro, é esperado que investidores, analistas, gestores sejam cuidadosos conheçam a estrutura e comportamento dos custos das empresas objetos de seus interesses. Assim, poderão avaliar como as alterações nas estruturas de custo decorrente da nova forma de cálculo da parcela devida pelo empregador de contribuição ao INSS impactará o risco operacional nas empresas beneficiadas. É adequado lembrar, um aspecto pouco notado, que as alterações na estrutura de custos e no grau de alavancagem operacional provocam impactos significativos nas necessidades de capital de giro e, consequentemente no fluxo de caixa operacional. As generalizações referentes ao impacto da mão-de-obra tem que ser evitadas, pois cada setor econômico tem suas especificidades. Portanto, os níveis de remuneração, de exigências quanto a formação escolar do empregado, experiência etc e se a empresa é impactada por similares importados, variam de setor para setor.
[Por fim ...] Não se discute a importância de medidas que preservem, incentivem e promovam o desenvolvimento da indústria nacional. Porém, ao que parece as demandas são orientados com uma visão de autodefesa e de curto prazo. As demandas de mudanças devem ser sustentadas por estudos imparciais que investiguem quais as causas da queda da produtividade da indústria, possibilitem um amplo entendimento das causas e efeitos, alem de subsidiar a elaboração de políticas econômicas robustas. Para ilustrar a importância de analisar a situação da competitividade da indústria manufatureira a luz dos dados, Menezes Filho [Valor Econômico, 18,19 e 20/05/2012: A15] relata que “[...] entre 1995 e 2009, o salário médio na indústria de transformação declinou 8%, ao passo que na agricultura houve aumento de 25%. Nesse mesmo período, a produtividade da indústria declinou 11%, aumentando quase 70% na agricultura”. Com base nesses dados, a mão-de-obra não é a vilã, mas sim, a falta de investimentos com visão de longo prazo em tecnologia por parte da indústria manufatureira. O termo competitividade precisa ser caracterizado nas discussões. Assumimos competitividade materializada nas dimensões (i) preço dos produtos e (ii) qualidade. Para serem competitivas as organizações devem contar com mão-de-obra capacitada e remunerada de acordo com o mercado além de investir em tecnologia, inovações e/ou melhoria nos processos. Dessa forma, poderão efetivamente atingir níveis de produtividade que permitam concorrer competitivamente – tanto no mercado externo, como no mercado interno – ofertando produtos com qualidade e preços competitivos. Esse é o momento de os agentes públicos e privados rediscutirem o tema sob uma perspectiva de longo prazo e com uma visão sistêmica. Caso não o façam, estarão sempre a mercê de soluções “quebra-galho” e, pior, de eficácia duvidosa que geralmente são desperdícios de recursos.
(1)    Lauro Brito de Almeida, Doutor em Controladoria e Contabilidade pela FEA/USP, Pós-Doutorando em Administração pelo PPAD PUC PR e Professor do PPG Mestrado em Contabilidade da UFPR. Interesses de pesquisas em Análise Gerencial de Custos, Economia de Empresas e Educação, Ensino e Pesquisa. Experiência profissional em Análise Gerencial de Custos, Orçamento Empresarial, Elaboração de Plano de Negócios para Pequenas e Médias Empresas, Analise Econômica e Financeira e Elaboração de Estudos e Pareceres. Contato: gbrito@uol.com.br

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