Lauro Brito de Almeida, Dr. EAC|FEA|USP(1)
Marcos Antonio de Souza, Dr. EAC|FEA|USP(2)

Sexta maior economia do
mundo, [...] tem um desafio árduo pela frente: universalizar os serviços de
água e esgoto para os mais de 190 milhões de brasileiros das cinco regiões do
país, cujas redes de saneamento ostentam históricos déficits. Cerca de 60% do
esgoto são lançados a céu aberto, enquanto 54% dos domicílios não possuem rede
coletora. Do lado de abastecimento de água, a realidade também é dura: 55% dos
pouco mais de 5.500 municípios poderão conviver com déficit de abastecimento
hídrico nos próximos anos, enquanto um em cada cinco lares não tem água
encanada.
Não
é por menos que essa cifra bilionária, necessária para disponibilizar um dos
principais serviços básicos a sociedade, desperte a atenção dos empresários.
Apesar de não haver
nada de errado nesse comportamento, não deixa de ser paradoxal, pois, de um lado um serviço – como saneamento básico – quando não disponibilizado traz consequências diretas a saúde do brasileiro, com desdobramentos no desempenho escolar, emprego etc, e, por outro lado, seja, oportunidade bilionária de negócios. Mas o mundo capitalista dos negócios é assim mesmo, ou seja, uma necessidade [de que natureza for] não atendida tem valor econômico a ser explorado.
nada de errado nesse comportamento, não deixa de ser paradoxal, pois, de um lado um serviço – como saneamento básico – quando não disponibilizado traz consequências diretas a saúde do brasileiro, com desdobramentos no desempenho escolar, emprego etc, e, por outro lado, seja, oportunidade bilionária de negócios. Mas o mundo capitalista dos negócios é assim mesmo, ou seja, uma necessidade [de que natureza for] não atendida tem valor econômico a ser explorado.
O
olhar de oportunidades de negócios em saneamento básico por parte do
empresariado brasileiro e estrangeiro se traduz na realização do II Seminário
FIESP de Saneamento Básico em 30/12/2012 na cidade de São Paulo.
O
Brasil, nas últimas décadas, tem promovido um processo de quebra de monopólio
estatal na concessão de serviços públicos. Modelos de negócios tem sido
implementados, agências reguladoras foram estruturadas as pressas e como não
podia deixar de acontecer, ao menos na fase inicial, capturadas pelos
regulados.
Na
atividade de saneamento básico há empresas privadas atuando, cuja presença é em
torno de 6%, principalmente por meio de PPP [Parceria Público Privada]. Estruturar
e gerir o negócio de saneamento básico por meio de PPP´s, ao menos no momento, é
uma alternativa. Há reclamações de alguns representantes das partes
interessadas [advogados, consultorias, por exemplo.] da falta de capacitação
dos técnicos governamentais para atuarem em PPP´s. Outros pedem incentivos,
créditos com juros negativos e, por fim, como está na moda: desoneração de
tributos.
[Desoneração
de Tributos] O sistema de tributação brasileiro, não é novidade para
ninguém, é complexo. Os estados se aperceberam que a gestão das políticas
tributárias podem lhe conferir vantagens competitivas na atração de indústrias.
Assim, além da atração de empresas e também motivados pela necessidade de
manterem e aumentarem a arrecadação, presenciamos a chamada “guerra fiscal” e,
a julgar pelas notícias sem perspectivas de acordos.
Quanto
aos tributos incidentes sobre as atividades empresariais [sem esquecer que são
os consumidores que realmente arcam com o ônus], alguns são cumulativos, outros
não. Por outro lado, a cumulatividade ou não dos tributos depende da opção por
esse ou aquele regime tributário. Fora isso, há as intermináveis divergências
de entendimentos sobre o que pode ou não entre o contribuinte pessoa jurídica e
o fisco. No entanto, essa complexidade do sistema tributário, gera um negócio
de muitos dígitos para consultorias, consultores independentes, contadores e
bancas de advocacia.
A
tributação drena recursos da população pela sua incorporação no preço final do
produto. Assim como políticas de juros altos [e os economistas, analistas e “palpiteiros
de plantão”, não se entendem], os tributos [de uma maneira geral], reduzem a
renda disponível das famílias para consumo.
As
empresas, como não poderiam deixar de fazer, repassam todo e qualquer tributo
ao preço. Historicamente, no geral, a desoneração tributária – ainda que
temporária – não é repassada ao consumidor, servindo para as empresas recuperarem
suas margens de lucro.
A desoneração de tributos
– especificamente PIS e Cofins – sobre o setor de saneamento básico vai liberar
imediatamente R$ 2,1 bilhões por ano para investimentos. A estimativa é do
diretor do departamento de água e esgoto do Ministério das Cidades, Johnny
Ferreira dos Santos, com base no valor das contribuições recolhidas pelo setor.
O
valor não é desprezível, provocando reações favoráveis por parte de gestores de
empresas, como a da presidente da SABESP, que segundo o jornal:
Ao ouvir o comentário de
Ferreira durante o 2º. Seminário de Saneamento promovido pela Fiesp, na
terça-feira [...] disse considerar “muito bom” que o governo esteja pensando a
sério sobre o tema e que a desoneração será “muito bem-vinda”.
Os
valores recolhidos ao erário público federal pela SABESP, no contexto
brasileiro são significativos. O Valor relata que:
A companhia de saneamento
paulista responde por R$ 600 milhões anuais em PIS/Cofins, quase um terço da
arrecadação do setor. A presidente da estatal afirmou que o valor elevaria a
capacidade de investimento da companhia. Só em 2011 a Sabesp gastou R$ 2,4
bilhões em obras, parcerias público-privadas [PPPs] e locação de ativos –
modalidade em que a empresa usa recursos de empresas privadas [...].
[Governança
E Risco Moral] O montante de recursos monetários a disposição das
empresas de saneamento básico, originados de uma possível desoneração
tributária [PIS e Cofins], quer públicas ou privadas – são significativos.
Apesar de a proposta de desoneração tributária liberar recursos para, ao menos
em tese, investir na expansão ou melhoria da rede de saneamento básico -
essencial à população brasileira -, entendemos, há aspectos a serem
considerados e decorrem da natureza da geração do tributo.
Discutir
fontes substitutivas para essa renúncia fiscal foge ao propósito desta nota. No
entanto, assim como a totalidade dos demais tributos, PIS e Cofins são
integralmente repassados ao consumidor no preço do bem ou serviço prestado.
Dessa
forma, há um enorme grupo de stakeholders
[grupos de interesse] a serem considerados na discussão da modelagem,
operacionalização e implementação da proposta de desoneração de tributos.
Infelizmente, como dito, em geral as desonerações de tributos não revertem em
benefício do consumidor final, quer pela redução dos preços praticados ou de
outra forma.
Em
uma situação como a proposta pelo diretor do departamento de água e esgotos do
Ministério das Cidades, na qual os recursos ficariam imediatamente a disposição
das empresas, os gestores poderiam ser tentados [por ganância, interesse
pessoal ou pressão do “mercado”] a tomarem decisões e ações contrárias ao
interesse da população. Os consumidores atuais estarão, em tese, financiando a
expansão dos serviços de saneamento [um fim nobre], no entanto, sem garantia
alguma de que seus interesses sejam respeitados.
Nesse
caso poderá estar ocorrendo um problema
de agência. Os consumidores assumem o papel de principal e as empresas de saneamento o de agentes. E a questão: como
garantir que os agentes cumpram os interesses do principal? Como o principal pode se certificar disso?
Essas questões passam pela governança.
Portanto, é necessário uma discussão cuidadosa, com a participação efetiva e comprometida de agentes que representem os consumidores e, principalmente, com muita transparência.
Portanto, é necessário uma discussão cuidadosa, com a participação efetiva e comprometida de agentes que representem os consumidores e, principalmente, com muita transparência.
O problema de agência, nas suas diversas
formas sempre esteve presente no âmbito das relações sociais, sendo que o seu
destaque maior tem sido para as questões das transações havidas no mundo dos
negócios. Em 1796 Adam Smith advertia que:
Não se deve esperar que os
diretores [...] [das] sociedades, porém, sendo gestores do dinheiro de outras
pessoas, e não do seu, cuidem dele com tanta atenção quanto os sócios de
companhias limitadas o fazem. Tais como o administrador do homem rico, tendem a
se preocupar coma as pequenas coisas não do ponto de vista de seu patrão, e
tendem muito facilmente a se aproveitar dele. Portanto, deve tender a haver
negligência e desperdício, até certo ponto na gestão de tal tipo de empresa
[SMITH, Adam, 1796 apud JENSEN &
MECKLING, 1978:305]
No
entanto, o problema entre as partes nas relações contratuais é bem anterior.
Para se ter uma ideia, já em 1492 o risco
moral [moral hazard] fazia parte
das preocupações da corte espanhola [principal]
com relação ao comportamento de determinados agentes, responsáveis por conduzir alguns de seus negócios.
É
o caso de um empreendimento liderado por Colombo e custeado pela coroa
espanhola, em que esta nomeou um auditor para “[...] fiscalizar as tapeações de
Colombo quando começasse a calcular o custo do ouro e das especiarias que
acumulasse.” [HENDRICKSEN & Van BREDA, 1999:45-6]. Tal procedimento ocorreu
dois anos antes do lançamento do livro de Paciolli, cujo inegável mérito foi o
de ter sido um astuto e observador das práticas comerciais, e principalmente de
suas formas de registro e controle. O que era, até então divulgado com uma
“história oral”, passou a ser formalizado na forma escrita.
As
relações entre os agentes e entre principal e os agentes são permeadas pela assimetria de informações. No caso da
desoneração tributária, poderão ocorrer situações de informação incompleta. Apenas como
exemplo, os alegados investimentos em saneamento pela empresa Sabesp. Apesar
de informados nas Demonstrações Contábeis publicadas, não sendo as regras do
jogo totalmente claras, não sabemos qual será o rigor de punição caso ocorram
eventuais desvios de conduta.
Citando
apenas como exemplo, a
Sabesp conforme texto do Valor “[...] responde por R$ 600 milhões anuais em
PIS/Cofins [...]”, para ilustrar uma situação de informação imperfeita. Considerando a proposta do Sr Ferreira,
neste ambiente, as regras serão claras, mas as ações poderão não ser conhecidas
pelos outros agentes. As Demonstrações Contábeis
do ano de 2011 publicadas pela Sabesp, ao longo de suas 192 páginas não detalham
o montante efetivamente recolhido de PIS/Cofins aos cofres do Tesouro Nacional.
Na Demonstração de Valores Adicionados – DVA [pg. F-72] os valores dos
impostos, taxas e contribuições são segregados, apenas, em federais, estaduais
e municipais.
Se
mecanismos adequados de governança
não forem instituídos os agentes poderão ser tentados a agirem em desacordo com
o interesse dos agentes. O invés de usarem os recursos para os fins propostos,
os agentes poderão agir na maximização de sua satisfação e/ou interesses, ou
atenderem a pressão do “mercado”,neste caso, maior distribuição de dividendos,
por exemplo. Esta hipotética situação é um alerta do risco de os recursos
oriundos da desoneração do PIS/Cofins sejam utilizados para outros fins que não
os de investimentos na expansão e/ou melhoria da rede de saneamento básico.
Então, nesse contexto, está instituído, se assim os gestores se comportarem,
uma situação de risco moral.
O risco moral - configura-se em uma
situação na qual o principal não é
capaz de controlar todas as ações do agente.
Como consequência as ações do agente têm diferentes valores quando comparadas com
a do principal. No passado recente, um exemplo foi o comportamento dos
executivos da Enron [agentes] que aproveitando a situação executaram [com a
conivência de outros grupos de interessados] ações ocultas.
Voltando
as empresas de saneamento, a proposta de desoneração dos tributos PIS e Cofins é
específica para liberar recursos destinados para financiar a expansão e/ou
melhoria da rede de saneamento básico. No entanto, as decisões e ações dos
gestores quanto ao uso desses recursos poderão não estar alinhadas aos
interesses dos consumidores [financiadores]. Caso isso ocorra, ficará evidente
uma situação de expropriação dos
financiadores, no caso, os consumidores dos serviços de saneamento, pois
são estes que arcam com o ônus da desoneração do PIS/Cofins. Cabe, para evitar
tal expropriação, a instituição de
mecanismos de governança que protejam os interesses dos financiadores das
tais ações ocultas.
A
sociedade, não importa o tipo, vive sob a égide de contratos, quer sejam
implícitos ou explícitos. Para evitar que ocorram desvios de conduta por parte
das empresas, já que o ambiente será de assimetria de informações, haverá custos de agência e a necessidade de
terceiros que representem os consumidores com alto grau de comprometimento e
não por mera formalidade.
O
modelo proposto é que os recursos da desoneração não sejam imediatamente e
livremente liberados ou repassados as empresas. Que seja constituído um fundo,
sob gestão, por exemplo, do BNDES e que a liberação ou repasse ocorra após a
aprovação de um projeto. As partes intervenientes, representando os
consumidores serão a Advocacia Geral da União, Procuradoria Federal e Tribunal
de Contas da União. Os dois primeiros resguardariam as questões contratuais e a
terceira atuaria fortemente na análise técnica e econômica dos projetos – nesta
fase em parceria com o BNEDES – e posteriormente no acompanhamento e análise de
sua execução.
[Por
Fim ...] Parece que sempre viveremos com a questão “canhões ou
manteiga”. O caso em particular – saneamento – apresenta indicadores com
tamanha desigualdade. O volume de recursos requeridos é bilionário e, por isso
mesmo, tem mobilizado os órgãos representativos da iniciativa privada – o que é
bem vindo. Logo, vamos escolher a “manteiga”.
Dirão
alguns que a proposta é burocrática, envolve custos e provocará demoras.
Tomemos cuidado com essas argumentações. O PIS/Cofins é bancado pela sociedade
e a esta os usuários destes recursos tem que prestar conta. As regras para
liberação, fiscalização tem que ser claras e cumpridas num ambiente de
transparência. Como há assimetria de informação entre os agentes, e para
assegurar que o contrato seja cumprido, como em qualquer outro negócio, há
custos envolvidos. Por que haveria de ser diferente nesta situação?
Assim,
é necessário cuidado redobrado com modelos de financiamento de investimentos desse
tipo, especialmente por implicar em desoneração tributária. Os grupos de
interesses não podem ser deixados de lado na modelagem do processo.
Esperamos,
que caso essa proposta do governo avance, não seja outra do tipo “cobertor
curto”.
(1) Lauro Brito de
Almeida, Doutor em Controladoria e Contabilidade pela FEA/USP,
Pós-Doutorando em Administração pelo PPAD PUC PR e Professor do PPG Mestrado em
Contabilidade da UFPR. Interesses de pesquisas em Análise Gerencial de Custos,
Economia de Empresas e Educação, Ensino e Pesquisa. Experiência e atuação
profissional em Análise Gerencial de Custos, Orçamento Empresarial, Elaboração
de Plano de Negócios para Pequenas e Médias Empresas, Analise Econômica e
Financeira e Elaboração de Estudos e Pareceres. Contato: gbrito@uol.com.br
(2) Marcos Antonio de
Souza, Doutor em Controladoria e Contabilidade pela FEA/USP, Mestre
em Administração pela UMESP, Pesquisador CNPQq Nível II e Professor Programa de
Doutorado e Mestrado em Ciências Contábeis, UNISINOS. Consultor e sócio da empresa BRUINE SOUZA Consultores Associados [www.consultoriabs.com.br.] Interesses de pesquisas em Análise Gerencial de Custos,
Economia de Empresas, Gestão de Custos no Setor Público e Educação, Ensino e
Pesquisa. Experiência e atuação profissional em Análise Gerencial de Custos,
Orçamento Empresarial, Elaboração de Plano de Negócios para Pequenas e Médias
Empresas, Analise Econômica e Financeira e Elaboração de Estudos e Pareceres. Contato: marcosas@unisinos.br
Gostei da objetividade dos assuntos, parabéns e vamos em frente...
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